OPINIÃO: A cultura do estupro

Como mediadores da notícia, nós do Plantão RS repudiamos a escolha das palavras que minimiza o ato e culpabiliza a vítima.

Nossa missão é informar. Nesse percurso, entre o conhecimento do fato e a notícia publicada, passamos pela escolha das palavras, dos termos que usaremos. Pode parecer um detalhe desnecessário, mas as decisões podem mudar completamente o tom da história.
Não existe “suposto estupro” quando se tem um vídeo gravado. Os criminosos não são “suspeitos” quando o caso está documentado. Temos sim exigências éticas a cumprir e fazemos isso com todo o cuidado, sempre buscando atender nosso público da melhor forma possível. Justamente por isso, o estupro não é “um caso suposto” e os envolvidos não são apenas “suspeitos”.
As mulheres foram tradicionalmente subjugadas pela sociedade e aprendemos a normalizar a violência contra a mulher. Não enxergamos isso como casos isolados de falhas de caráter, é muito mais profundo, é cultural. Por isso surgiu o tão comentado termo “cultura do estupro”. Não, isso não quer dizer que casos de estupro estão “liberados e legalizados” longe disso.
O estupro é considerado o segundo crime mais cruel, perdendo apenas para o assassinato. Mesmo com essa percepção, o Fórum Anual de Segurança Pública aponta que cerca de 50 mil pessoas são estupradas por ano no Brasil. Esse número alarmante, infelizmente, não reflete a realidade do crime. Por medo, desconfiança e até vergonha, muitas pessoas não relatam casos de violência sexual, isso é grave e tem relação com a cultura do estupro.
É recorrente as perguntas que buscam justificar um crime tão hediondo. Questionamentos como a roupa que a vítima usava, a quantidade de álcool que ela havia ingerido, o horário que aconteceu o crime e até mesmo o número de parceiros sexuais que ela já teve na vida, são comuns para quem sofreu um estupro.  Inclusive, até 2002, uma lei garantia que o criminoso não fosse preso, caso desposasse a vítima. Parece inacreditável, mas sim, uma lei garantia a impunidade do crime. A vítima? Sim, essa cumpria a pena de conviver com seu agressor, sob os olhos cegos da lei.
Como mediadores da notícia, nós do Plantão RS repudiamos a escolha das palavras que minimiza o ato e culpabiliza a vítima. Não podemos perpetuar a cultura do estupro, que define que a conduta do homem é irracional e primitiva, delegando às mulheres a tarefa de evitar os crimes. Estuprador é criminoso e assim será tratado, a vítima não tem culpa, nunca.
A mídia tem o dever de se posicionar contra a cultura do estupro, para vencer essa etapa lamentável da nossa sociedade, que se perpetua pelo silêncio conveniente e confortável, que joga o problema para debaixo do tapete. Só com a mudança de postura conseguiremos combater a normalização dessa prática horrenda.