Acidente com avião da TAM no aeroporto de Congonhas completa 15 anos

Há dez anos, 199 pessoas morreram na tragédia do voo JJ 3054, em São Paulo. Foto: Agência Brasil/ Arquivo

Há quinze anos, numa noite fria e de garoa de 17 de julho de 2007, o Brasil assistia chocado o desastre com o voo JJ3054, da companhia aérea TAM. O acidente ainda é a maior tragédia da aviação comercial ocorrida em solo brasileiro.

A aeronave saiu do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, com destino ao aeroporto de Congonhas, em São Paulo. O voo do final de tarde daquele dia estava lotado: 187 pessoas a bordo. Eram  181 passageiros, sendo duas crianças de colo; mais quatro comissárias, além do piloto e co-piloto, em um total de seis tripulantes.

Em São Paulo, o tempo também era instável. A pista de Congonhas estava molhada e, por causa de uma reforma recente, ainda estava sem ranhuras que facilitam a frenagem do avião.

A manobra para o pouso não foi bem sucedida: o Airbus não conseguiu desacelarar completamente, atravessou a pista, cruzou a avenida Washington Luís, uma das mais movimentadas da capital paulista, e bateu em um prédio de cargas da própria companhia, que ficava em frente ao aeroporto.

Com o choque, o avião acabou explodindo e pegando fogo. Aquele acidente, que hoje (17) completa 15 anos, provocou a morte de 199 pessoas, 12 delas em solo. Entre as vítimas estavam 98 gaúchos ou moradores do Estado.

Há anos, a falta de punições pelo acidente se tornou uma marca profunda para as famílias das vítimas. Isso é o que contou o jornalista Roberto Corrêa Gomes, 66 anos, que perdeu o irmão Mário Corrêa Gomes no acidente.

“Os punidos maiores foram as vítimas que morreram e os condenados foram seus familiares, que ficaram sem seus entes queridos e não viram justiça”, afirmou em entrevista à Agência Brasil. Seu irmão Mário tinha 49 anos na época e era um empresário gaúcho do ramo publicitário, divorciado e sem filhos.

“Ele era um jovem empresário gaúcho, muito bem-sucedido, muito premiado no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Ele só tinha cursado o ginásio [equivalente ao fundamental], mas era brilhante, muito inteligente. Ele tinha ideias revolucionárias”, conta Roberto. “Éramos uma família de sete irmãos. Nossa mãe tinha falecido um ano antes, em 2006”.

Assim como milhões de pessoas, Gomes ficou sabendo do acidente pela TV. Todas as redes de televisão interromperam suas programações, mesmo que momentaneamente, naquela noite para informar sobre o “desastre de São Paulo”.

A confirmação pela TAM de que o irmão estava naquele voo só chegou a eles de madrugada, quando a lista de vítimas foi divulgada oficialmente. “Só às 2h da manhã do dia 18 que foi divulgada a lista. Até então, nossa esperança era que ele tivesse embarcado em outra aeronave, descido em Guarulhos, ficado sem bateria ou que tivesse descido em Viracopos, estivesse ainda sobrevoando… A gente se apega a tudo. Mas infelizmente ele estava no voo”.

Mário tinha embarcado de Porto Alegre para São Paulo para assinar o contrato de locação de uma casa e também para assinar um contrato com um cliente. A intenção do empresário, naquele momento, era se mudar para São Paulo, onde estavam a maioria de seus clientes. Talvez, por isso, alguns dias antes da viagem, ele reuniu os irmãos em sua casa, sem aparentemente um motivo especial. “No domingo anterior ao acidente, ele fez um churrasco e reuniu os irmãos. Eu até tinha achado estranho ele fazer esse churrasco. Ele reuniu os irmãos na casa dele, fez um churrasco e, sei lá, parece que ele estava se despedindo”, disse.

Processo sem punições

Passados 15 anos, ninguém foi responsabilizado ou cumpriu pena pelo acidente.

O acidente foi investigado por três órgãos. Um deles, o Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), da Aeronáutica, concluiu que uma série de fatores contribuíram para a tragédia. O relatório do Cenipa constatou, entre vários pontos, que os pilotos movimentaram, sem perceber, um dos manetes que determinam a aceleração ou reduzem a potência do motor para a posição idle (ponto morto) e deixaram o outro em posição climb (subir). O sistema de computadores da aeronave entendeu, equivocadamente, que os pilotos queriam arremeter (subir).

O documento também relata que não havia um aviso sonoro para advertir os pilotos sobre a falha no posicionamento dos manetes e que o treinamento da tripulação era falho: a formação teórica dos pilotos, pelo que se apurou na época, usava apenas cursos interativos em computador. Outro problema apontado é que o copiloto, embora tivesse grande experiência, tinha poucas horas de voo em aviões do modelo A320, e que não foi normatizada, na época, a proibição em Congonhas de pousos com o reverso (freio aerodinâmico) inoperante [ponto morto], o que impediria o pouso do avião nessas condições em situação de pista molhada.

O Cenipa, no entanto, não é um órgão de punição, mas de prevenção. Ele não aponta culpados, mas as causas do acidente. O relatório sobre o acidente, portanto, dá informações e 83 recomendações para que tragédias como essa não se repitam.

Esse relatório feito pela Aeronáutica contribuiu para outras duas investigações, feitas pela Polícia Civil e pela Polícia Federal, que levaram, no entanto, a conclusões bem diferentes sobre os culpados.

Em 2015, a Justiça Federal acabou absolvendo a ex-diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) Denise Abreu, o então vice-presidente de operações da TAM, Alberto Fajerman, e o diretor de Segurança de Voo da empresa na época, Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro. Eles haviam sido denunciados pelo MPF (Ministério Público Federal) por “atentado contra a segurança de transporte aéreo”, na modalidade culposa. Para a Justiça, os réus não agiram com dolo (intenção).

O processo concluiu que o diretor e o vice-presidente sabiam “das péssimas condições de atrito e frenagem da pista principal do Aeroporto de Congonhas”, uma das causas apuradas para o acidente, mas não tomaram providências para que, em condições de pista molhada, os pousos fossem redirecionados para outros aeroportos.

Posicionamento da Latam

A Latam Airlines declarou que “se solidariza com todos aqueles que foram afetados por este acidente há 15 anos.” E disse que: “Embora consciente de que nada poderá compensar as perdas, a companhia se empenhou, desde o primeiro momento, em apoiar os familiares de todas as maneiras e concluir o mais rápido possível o procedimento de indenização.” Segundo a empresa, a maioria dos familiares das vítimas foram indenizados. Uma família ainda segue com ação em andamento. A Latam informou ainda que não divulga valores das indenizações por questões de segurança e de privacidade dos próprios familiares.

A companhia disse também que, na época do acidente, apoiou as famílias com hospedagem, transporte, alimentação, ligações, assistência religiosa e psicológica, concessão de planos de saúde, contratação de empresa para a organização dos funerais, reembolso de despesas, entre outros. Segundo eles, “Em muitos itens as ações da empresa foram além dos padrões de assistências internacionais, como por exemplo o apoio psicológico estendido por 2 anos”.

Perguntada sobre mudanças nos procedimentos para evitar novas tragédias, a empresa disse que, antes de cada pouso, os pilotos obrigatoriamente devem consultar o MRA (Manual de Rotas e Aeroportos) da companhia para verificar as restrições específicas de cada aeroporto, aumentando a margem de segurança da operação. Além disso, caso ocorra a falha do reversor durante o voo, por regra, o piloto obrigatoriamente deve alternar para algum aeroporto onde não haja a restrição de pouso com esta falha.

A empresa também citou a adoção do EFB (Electronic Flight Bag), ferramenta que substituiu os manuais de consulta dos pilotos na cabine. Segundo a companhia, o EFB é basicamente um tablet que permite cálculos muito mais precisos utilizando aplicativos do próprio fabricante da aeronave, permitindo aos pilotos calcular em tempo real, de dentro do cockpit, a performance da aeronave mediante as constantes variações das condições do ambiente e da aeronave como: pista seca ou molhada, peso da aeronave, direção e intensidade de vento, temperatura, altitude da pista entre outros.

A companhia ressaltou que uma Instrução de Aviação Civil emitida pela ANAC em 2008 proibiu a operação de pouso e decolagem nas pistas do Aeroporto de Congonhas em caso de inoperância dos sistemas que comprometam a performance de frenagem da aeronave, tais como qualquer superfície de comando, freio e reverso. “Isso é válido para todas as empresas que operam naquele aeroporto”, disse em nota.

Segundo eles “Hoje a aviação mundial possui regras e protocolos globais rígidos de segurança e prevenção, o que fez com a média anual de acidentes aérea caísse mais de 60% desde então. Internamente, revisamos nossos procedimentos com o objetivo de atuarmos de uma maneira ainda mais planejada e coordenada.”, concluiu.