Ex-ministros da Justiça criticam alojamento de presos doentes em contêineres

Ex-ministros da Justiça criticam sugestão de alojamento de presos doentes em contêineres

Seis ex-ministros da Justiça manifestaram-se contra a sugestão de alojar os presos que apresentem sintomas da Covid-19 em contêineres. A proposta feita pelo diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Fabiano Bordignon ao presidente do CNPCP, Cesar Mecchi Morales, será analisada nesta terça-feira (5).

O documento foi assinado pelos ex-ministros da Justiça Eugênio Aragão, José Carlos Dias, José Eduardo Cardozo, Miguel Reale Júnior, Tarso Genro e Torquato Jardim e conta com apoio do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

Conforme o documento, também assinado por oito ex-presidentes do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), “nada pode justificar o tratamento de indivíduos em condições subumanas e de precariedade em níveis medievais”.

Além da carta assinada por seis ex-ministros da Justiça, a ideia foi rejeitada também por várias defensorias públicas e dezenas de entidades, entre as quais a OAB/SP, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Justiça Global e Association for the Prevention of Torture (APT).

No documento, as entidades lembram que “no último ciclo de Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em 2017, diversos países fizeram recomendações ao Brasil, a fim de que diminuísse a população carcerária, eliminasse a tortura e tratamento degradante e melhorasse as condições das pessoas presas”.

As entidades ressaltam ainda que, conforme orientação das autoridades sanitárias, o isolamento social deve ser cumprido em locais que tenham boa ventilação, água corrente e espaço para que as pessoas possam ficar afastadas a uma distância de um ou dois metros.

Leia a íntegra da carta:

“Os ex-ministros de Estado da Justiça e os ex-presidentes do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), abaixo subscritores, receberam com surpresa e perplexidade a informação divulgada pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em 20 de abril de 2020, da sugestão encaminhada ao colegiado do CNPCP com a finalidade de permitir a utilização de “estruturas modulares temporárias”, leia-se “containers”, para o alojamento de pessoas presas que apresentem sintomas da COVID-19 e necessitem de atendimento médico.

De acordo com a notícia veiculada pela Agência Brasil, “as estruturas provisórias poderiam ser similares às dos hospitais de campanha, com prémoldados, barracas de campanha e até mesmo na forma de containers habitacionais climatizados, muito utilizados há vários anos na construção civil”. Tal recomendação ainda carece de deliberação do CNPCP, em face do pedido coletivo de vista solicitada em sua última reunião.

É lamentável que o Estado brasileiro cogite soluções dessa índole. Vale lembrar que no ano de 2009, o mesmo CNPCP, dessa vez fazendo valer seu compromisso institucional e legal, insurgiu-se contra calamitoso “estado de coisas” existente, à época, no Espirito Santo. Naquela oportunidade, descobriu-se a submissão e aprisionamento prolongado de pessoas detidas, adultos e adolescentes, em containers, alcunhados de autênticos “microondas”. A repercussão da gravíssima e intolerável situação redundou na imediata mobilização da sociedade e no oferecimento de denúncias contra o Brasil em organismos internacionais, tais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Organização das Nações Unidas (ONU).

No difícil momento de pandemia, responsável por afetar a vida de todos os brasileiros, é fundamental que as autoridades constituídas reafirmem sua postura de respeito aos ditames do Estado Democrático de Direito e ao princípio universal de dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil. Nada pode justificar o tratamento de indivíduos em condições subumanas e de precariedade em níveis medievais.

As existentes e conhecidas carências e deficiências históricas do sistema penitenciário nacional não podem ser aprofundadas sob qualquer pretexto. Se a vulnerabilidade dos presos brasileiros se apresenta ainda mais sensível em decorrência da pandemia, o próprio Conselho Nacional de Justiça, mediante Recomendação nº 62/2020, já ali estabeleceu as medidas adequadas a serem implementadas no ambiente carcerário, como a identificação dos grupos de risco e a priorização do cumprimento de pena fora das unidades.

Publicamente, portanto, os subscritores manifestam e declaram que outra solução não há ao CNPCP que não a recusa e o veto imediato e peremptório na adoção de quaisquer medidas dessa natureza.

30 de abril de 2020.

Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça

José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça

José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça

Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça

Tarso Genro, ex-ministro da Justiça

Torquarto Jardim, ex-ministro da Justiça

Alamiro Velludo Salvador Netto, ex-presidente do CNPCP/MJ

Antonio Claudio Mariz de Oliveira, ex-presidente do CNPCP/MJ

Eduardo Muylaert, ex-presidente do CNPCP/MJ

Eduardo Pizzaro Carnelós, ex-presidente do CNPCP/MJ

Geder Gomes, ex-presidente do CNPCP/MJ

Luiz Bressani, ex-presidente do CNPCP/MJ

René Ariel Dotti, ex-presidente do CNPCP/MJ

Sergio Salomão Shecaira, ex-presidente do CNPCP/MJ”