O Caminho de Juliane: toda mãe é uma peregrina

O Dia das Mães está mudando. Por isso mesmo, as sugestões de presentes para elas no comércio estão cada vez mais variadas. Além das roupas e artigos de beleza, os recorrentes anúncios de utilidades domésticas ainda existem, mas estão mais sofisticados, e deram espaço para artigos tecnológicos, itens esportivos e guias de viagem. É que as mães vêm mudando, também. A peregrinação iniciada ao saber da maternidade é mais que longa, é permanente, e a jornada é cheia de dificuldades, aprendizados e, felizmente, alegrias e conquistas.

As mulheres ainda cuidam da casa e dos filhos, mas dividem mais tarefas com os companheiros, ou encaram a maternidade sozinhas. Cuidam da beleza, mas também da saúde, encontram tempo para praticar esportes, viajar, elas têm carreiras. E querem mais. Mais? Sim, mais. Aqui e agora.

Uma mulher com um cajado em uma estrada.

Peregrina

A jornalista Juliane Soska, 30 anos, é uma dessas mulheres e mães que querem e fazem muitas coisas. Ela é uma mãe que entende que conquistar objetivos pessoais vai ajudar no desenvolvimento da filha, Martina, 4, mesmo ainda pequena. É o bom e velho exemplo, repaginado. Por isso, quando decidiu que queria fazer o Caminho de Santiago, não deixou que a maternidade a fizesse desistir. A viagem saiu. Não uma, mas duas. A primeira, em 2018. A segunda, neste ano. Uma peregrina em todos os sentidos.

A primeira viagem foi a mais longa e mais difícil. Começou na França, com a dificuldade de não saber francês. Apelava, então, para o inglês. Mas e o frio? Estava muito frio. E ia ter um feriado, o da Páscoa, uma data familiar, em que estaria longe dela – a primeira data longe. Na época, Martina tinha 3 anos. A tecnologia ajuda, mas nem sempre dava pra falar ou se comunicar por vídeo. Caminhava dias chorando. Ventava muito. “O que eu vim fazer aqui? Longe de casa, da minha filha… passando frio, sozinha”, pensava.

Mas, aos poucos, os dias foram passando, e as coisas se acomodando. Durante uma parada para curar bolhas nos pés, conheceu alguns brasileiros que a ajudaram, acalmaram sobre as dificuldades da viagem e dos primeiros dias.

“Me disseram que na primeira semana vem a questão física. Na segunda, o corpo começa a se adaptar fisicamente, mas aí começa a pesar o emocional. E o fato de estar sozinha foi o que mais pesou, e longe dela [Martina]. Acho que nunca chorei tanto”, relata.

Ao longe, vê-se uma pessoa em uma estrada, com boa parte percorrida e um longo caminho ainda ao longe.
Foto: Arquivo pessoal

Resiliência

É, ninguém disse que ia ser fácil. Mas também não achou que seria tão difícil.

“Tive pensamentos semelhantes aos de síndrome do pânico, uma sensação de que algo ia acontecer algo de errado, que eu não ia conseguir voltar, e o sentimento parecia muito real”, conta Juliane. “Eu me achava muito resiliente, mas eu fiquei abalada”, completa – como se fosse errado sentir as dificuldades que sentiu. Mas e não é ser resiliente passar por tantas dificuldades físicas e emocionais e seguir em frente?

Apesar das dificuldades, Juliane conseguiu percorrer 37 dias – 30 dias caminhando. Veio o sentimento de conquista, de querer fazer de novo, ver caminhos que ficaram de fora. A parte ruim? Passou. Ela chegou em casa e já no aeroporto foi recebida com o carinho da filha: “Mamãe, o que são esses pingos nos teus olhos?” Era emoção, alegria, tudo junto. “Saudade física”, diz Juliane. Nem tudo dá pra resolver com a tecnologia.

Um mulher, usando toca e óculos, ao lado de duas placas, uma indicativa da velocidade de 50km, e outra com a inscrição La Martina.
Foto: Arquivo pessoal

Um novo caminho

A segunda viagem veio este ano, por outro caminho – mas lembra que ainda tem outros caminhos a percorrer. Foram menos dias, o que facilitou um pouco, além de já ter experiência com o ano anterior. No total, ficou longe 16 dias – 12 dias caminhando.

Nem tudo, no entanto, foi mais fácil. O fato de Martina estar maiorzinha, ajudou por um lado, mas complicou por outro. Ela já tem outra noção de tempo. Na primeira vez, bastou explicar que ia viajar, que ia trazer um presente, ligar… “Às vezes parecia que quando eu ligava ela nem estava sentindo tanta falta, estava envolvida com brincadeiras”, relata a mãe que, do outro lado, queria entrar pelo telefone.

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Mas, desta vez, mesmo sendo menos tempo, Martina queria ir junto. Chorou quando soube que a mãe ia viajar. “Tinha pais que levavam filhos, mas da idade dela era mais complicado, por ter que carregar, pelas dificuldades, e também acho que ela precisa entender o que está fazendo”, diz Juliane. Além disso, em geral as crianças que vão são maiores. Então, veio a promessa: quando a Martina tiver 10 anos, as duas vão juntas fazer o caminho. “Tem que ver se até lá ela vai querer, mas é a proposta”, diz Juliane, que lembra que o caminho tem todo um significado envolvido, tanto espiritual como de superação.

Em frente à Catedral de Santiago de Compostela, na Espanha, uma mulher sorri de braços abertos.
Foto: Arquivo pessoal

Críticas

Além das dificuldades da viagem e da saudade, houve outras pedras no caminho. Ouviu críticas, algumas veladas, outras nem tanto. Como ia deixar o marido e a filha, ainda mais tanto tempo?

“Eu respondia que eu quero ser pra minha filha o exemplo que eu gostaria de ter, fazer coisas que minha não conseguiu pelas possibilidades que teve, ser uma referência em vários aspectos, uma pessoa independente, que vai atrás das coisas que quer e conquista”, explica Juliane.

Apesar das críticas, houve uma rede de apoio. A família ajudou, todos entenderam que a Martina ia precisar de atenção por ela estar longe e se motivaram. Além disso, o marido esteve presente para a filha. “Ele foi muito parceiro, pois eu estava sofrendo com a distância, mas estava em férias. Ele ainda estava trabalhando, cuidando dela, da casa, sofria, também”, diz, agradecida.

Credencial de peregrino emitida em nome de Martina.
Foto: Arquivo pessoal

Outros caminhos

Após a viagem, Martina ganhou um tempo só pra ela. No mesmo ano, as duas viajaram para Maceió. A vó (mãe de Juliane) também acompanhou – foi sua primeira viagem de avião. Agora, Martina só fala em voltar para lá. “Com o papai”, diz.

É que nem sempre os roteiros de Juliane agradam o marido, e aí eles se dividem. Mas nem sempre é assim. A família já foi para a Itália duas vezes, uma delas já com a Martina, que tinha dois anos. Também foram para a Argentina e outros lugares no Brasil. “Ela é pequeninha, mas já pegou o gosto por viajar”, conta Juliane. “Tem memória boa, guarda o que viu, gosta de rever fotos, vídeos.”

Com pais fãs inveterados do Engenheiros do Hawaí, Martina também foi também a alguns shows e eventos da banda. E ela já está inserida no universo musical, com os seus próprios gostos. “Vai cantando no carro, escolhe as bandas que gosta, ouve as que gostamos, e escutamos muitas coisas, mas ela já tem as próprias preferências”, diz a mãe, orgulhosa.

Agora é esperar para ver se a Martina vai cobrar a promessa, quando fizer 10 anos. Caso não tenha interesse, uma recordação ela tem: já na primeira viagem, Juliane literalmente “levou com ela” a filha, e registrou a passagem dela pelo caminho. Martina tem sua própria credencial. Filha de peregrina, peregrina ela já é. E a partir dos caminhos trilhados pela mãe, vai poder escolher o próprio caminho.