Hospital Cristo Redentor: 24 horas buscando salvar vidas

A todo momento, é necessário enfrentar os contratempos que a vida coloca diante dos pacientes de um hospital que atende, basicamente, emergências.

Uma rotina marcada pela tensão. É preciso salvar vidas. A todo momento, é necessário enfrentar os contratempos que a vida coloca diante dos pacientes de um hospital que atende, basicamente, emergências. São aquelas pessoas que saíram de casa para trabalhar e em alguns minutos podem estar entre a vida e a morte em uma sala de cirurgia.
Com um prédio simples, já antigo, numa subida íngreme de uma rua de pouco movimento – no entroncamento da Domingos Rubbo com a avenida Assis Brasil -, fica o Cristo Redentor, um dos dois hospitais referência na área de traumatologia na Capital. O outro é o Hospital de Pronto Socorro. Mantido pelo Governo Federal, através do Ministério da Saúde, é considerado como a “emergência da Zona Norte”, apesar de não haver uma regionalização plenamente delimitada para os atendimentos. Recebe desde a criança que, ao pular corda, caiu e quebrou o braço, até o bandido que, num acerto do tráfico de drogas, levou um tiro ou uma facada. Vítimas de agressões domésticas e incêndios também são atendidas no Cristo.

Policiais conversam em frente a uma das entradas do Hospital Cristo Redentor: pessoas em "conflito com a lei e com a sociedade" são atendidas da mesma forma que os bonzinhos. Foto: Thamella Garcia/ Especial
Policiais conversam em frente a uma das entradas do Hospital Cristo Redentor: pessoas em “conflito com a lei e com a sociedade” são atendidas da mesma forma que os bonzinhos. Foto: Thamella Garcia/ Especial

Na chegada ao hospital, três portas recepcionam os visitantes. A entrada principal, com uma sala de espera composta por cadeiras de plástico verdes e uma televisão. É por ali que entram e saem os funcionários das mais diversas áreas. A outra porta é a da Urgência. Quando ela é transposta, há o chamado “setor de acolhimento”. A terceira entrada, restrita, é para o acesso rápido de macas com pacientes graves. Fica de frente para um local onde ambulâncias podem estacionar de ré com facilidade. Por ali entra quem tem risco iminente de morte.
Bancos de madeira são o consolo a quem aguarda notícias de parentes internados no hospital. Ficam em uma área coberta do sol e a da chuva, mas que não impede, no inverno, que o frio gaúcho seja sentido na pele. Muitos fazem suas refeições ali mesmo. Leem jornais, livros. Precisam fazer o tempo passar. O tricô e as palavras cruzadas fazem parte da lista de passatempos. Comprar frutas na banca do outro lado da rua, ao lado do ponto de táxi, também é um hábito.
Foto: Thamella Garcia/ Especial
A rotina de um hospital com a traumatologia como especialidade é completamente imprevisível. Há dias de absoluta “tranquilidade” no Hospital Cristo Redentor. Foto: Thamella Garcia/ Especial

Luiz Carlos da Costa, 45 anos, passa pelo menos 14 horas do seu dia em frente ao Cristo Redentor. Acompanha a mãe, dona Ivone Coracine, 65 anos, que fez, no final de março, uma cirurgia para retirar um tumor no cérebro. Ele é motorista de ônibus. Pediu licença para cuidar dela no hospital. Os outros três irmãos seguiram sua rotina e auxiliam como podem.
Na primeira tentativa de se tirar o tumor, dona Ivone teve fortes sangramentos internos. A cirurgia teve que ser interrompida e retomada dias depois. Aí, sim, um sucesso. Aguardava, já, a alta de sua mãe para a semana seguinte. “Ela é jovem. Tem muito tempo com a gente ainda. Está tudo se encaminhando, graças a Deus”, diz Luiz com os olhos marejados de lágrimas.
A imprevisibilidade do Hospital
Pacientes entram e saem do Cristo Redentor a todo o momento, das mais variadas formas. Há quem chegue de ônibus, táxi ou trazido por parentes. A pé ou pelo SAMU, quando o caso é mais grave. Logo que entra na emergência, o paciente é classificado em uma escala de cinco cores, chamada de Protocolo de Manchester. A cor azul identifica o paciente não grave, que pode ser atendido em uma Unidade Básica de Saúde. A vermelha, aqueles que têm risco imediato de perder a vida. Eles são atendidos por uma equipe capaz de avaliar a gravidade da situação.
A manicure Lenara Alves de Oliveira esperava ganhar como presente de aniversário de 50 anos um leito para que fosse operada. Ela foi atropelada por uma moto na manhã do dia 7 de abril, na avenida Adelino Ferreira Jardim, bairro Rubem Berta, em Porto Alegre, quando saía para trabalhar. Deu entrada na emergência do Cristo Redentor cerca de uma hora após o acidente, levada pelo SAMU. A espera na emergência já durava 36 horas.
Foto: Carolina Eifer / Especial
Lenara, embora deitada em uma maca no leito 4, em um dos cantos da sala amarela da Emergência, mantém o otimismo por leito. Foto: Carolina Eifer / Especial

Segundo a enfermeira Lilian Frustockl, que faz parte da coordenação da Emergência do hospital, o foco do setor é dar o atendimento inicial ao paciente e enviá-lo à devida área posteriormente, seja a de queimados, UTI ou diretamente ao bloco cirúrgico. “A emergência é um local de passagem”, diz.
Tanto o motorista Luiz Carlos, com sua mãe internada após uma complexa cirurgia, quanto a manicure Lenara, só tiveram elogios à equipe e estrutura do Cristo Redentor. “Me dão café da manhã, almoço e café da tarde. Como o mesmo que comem os médicos e enfermeiros aqui”, diz Luiz Carlos após ter acabado de dar notícias da mãe para um dos irmãos por telefone.
Já é conhecido dos funcionários do hospital. Cumprimentam-no pelo nome. Ele acena com a alegria de quem sente que o pior já passou. Lenara, embora deitada em uma maca no leito 4, em um dos cantos da sala amarela da Emergência, mantém o otimismo. Diz que é bem atendida no Cristo. “Bah, as gurias todas muito queridas aqui”. E comenta que o motociclista que a atropelou não só prestou socorro na hora como também já havia ido visitá-la no hospital.
A rotina de um hospital com a traumatologia como especialidade é completamente imprevisível. Uma quarta-feira, como a de 8 de abril de 2015, dava a sensação de absoluta tranquilidade no Hospital Cristo Redentor. Já um domingo, como o 27 de janeiro de 2013, quando, em Santa Maria, um incêndio tomou conta da Boate Kiss, altera completamente a rotina hospitalar. O Grupo Hospital Conceição montou uma operação de emergência que envolveu mais de 300 profissionais para ajudar no socorro às vítimas. Quinze pacientes foram deslocados para hospitais do GHC; sete para o Cristo.
Meta: ser a melhor instituição pública de saúde do país até 2022
Foto: Carolina Eifer / Especial
Um dos corredores do Cristo Redentor. Planejamento quer colocar o grupo no patamar de melhor instituição pública de saúde até 2022. Foto: Carolina Eifer / Especial

O Hospital Cristo Redentor faz parte do Grupo Hospitalar Conceição, que tem outros três hospitais: Conceição, Criança Conceição e Fêmina. Foi inaugurado em 15 de novembro de 1959. Parte da estrutura se mantém a mesma, mas há alas, como a Unidade de Terapia Intensiva, que foram reformadas recentemente e fazem com que o Cristo, apesar de só ter atendimentos pelo SUS, se assemelhe em alguns aspectos à rede privada de saúde. Segundo a assessoria do GHC, “são obras que podem ser simples e de baixo custo ou complexas e que são realizadas em etapas”. Implantado há dois anos, o Planejamento Estratégico do Grupo Hospitalar Conceição quer colocar o grupo no patamar de melhor instituição pública de saúde até 2022. Otimizar recursos e articular os órgãos públicos para convergir nas iniciativas são dois pontos destacados na busca desta meta.
A superlotação extrema não faz mais parte do cotidiano do Cristo Redentor. Como o foco do hospital é a área cirúrgica, pacientes que necessitam de atendimento clínico são encaminhados aos outros hospitais do GHC. O da Criança e o Conceição ficam a três quadras dali. Nos finais de semana a tendência é sempre de aumento nos atendimentos. Nos demais dias, há imprevisibilidade reina. Os profissionais precisam estar preparados para qualquer situação. “São esporádicas as situações de superlotação”, diz a assessoria de imprensa do GHC.
Quase três décadas de Cristo
A enfermeira Lilian Frustkol já não estranha mais ver um desfibrilador ser usado, se deparar com um paciente algemado à maca ou mesmo com uma pessoa com queimaduras graves. Já faz parte do seu cotidiano, também, ver vidas se perdendo, quando os casos são gravíssimos e irreversíveis. São 27 anos na enfermagem do Cristo Redentor. Hoje ocupa uma função administrativa, na coordenação da Emergência. Mas transita por todos os setores do hospital: UTI, bloco cirúrgico, área de queimados, serviço social. Conhece o Cristo como conhece sua própria casa. Cumprimenta colegas pelos corredores, todos pelo nome e com um bom humor que muitos acham incompatível com um hospital. “E aí, Dudu, tudo tranquilo?” O Dudu trabalha na UTI e, ao seu redor, pacientes com quadro de saúde grave e complexo. A maioria respirando com a ajuda de aparelhos. Esta é a tranquilidade.
Na emergência, é chamada por outros enfermeiros. Um paciente havia dado entrada no hospital e nos seus pertences fora encontrada uma arma. Policiais civis, que têm um posto dentro do próprio Cristo Redentor, pediam a um funcionário que fosse depor. “Nossa função aqui é atender o paciente”, disse Lilian. A arma foi entregue à segurança do hospital que deveria dar os encaminhamentos legais junto à autoridade policial. O funcionário não iria depor. É comum que o que Lilian chama de “pessoas em conflito com a lei e com a sociedade” estejam internadas junto àqueles tidos como pessoas do bem. Não há uma separação entre a ala dos bandidos e a ala dos “bonzinhos”.
Foto: Carolina Eifer/ Especial
A enfermeira Lilian Frustkol já trabalha há 27 anos na enfermagem do Cristo Redentor. Foto: Carolina Eifer/ Especial

Casos que envolvem crianças são sempre mais impactantes, diz a enfermeira enquanto transita pelos corredores que ora ficam vazios e ora cheios no Cristo. Abre portas sempre com seu crachá que, no verso, tem a data de admissão: 01 de outubro de 1988. Ela relembra o caso de uma criança de quatro anos, vítima de afogamento, que deu entrada na emergência. “Não conseguimos”, lamenta a enfermeira fixando seu olhar para o chão. Tamanho era o desespero do pai quando soube da morte do filho que de longe se ouviam suas cabeçadas na parede.
Lilian diz que nunca pensou em desistir da profissão, apesar de já ter visto “de tudo”. Garante que o mais importante é o profissional ter vocação, competência, habilidade e segurança para atuar. “Eu nunca tive dúvida em relação a ser enfermeira e de traumatologia”.
O Cristo em números
O último Relatório Social do Grupo Hospitalar Conceição traz os números de seus hospitais referentes ao ano de 2013. No Cristo Redentor foram:

Procedência de pacientes em hospitalização
Porto Alegre 3.850
Grande Porto Alegre 2.030
Interior do Estado 811
Outros Estados 9
Total 6.700

 

Procedência de pacientes ambulatoriais
Porto Alegre 94.253
Grande Porto Alegre 53.251
Interior do Estado 11.064
Outros Estados 72
Total 158.640

 

Comparativo 2012 2013
Atendimentos ambulatoriais 304.580 304.463
Internações 7.123 6.712
Cirurgias 6.668 6.332